Nov 17, 2008

O Búfalo

Ela lia, lia e lia de novo. E recebia os parabéns e ligações com o velho "eu já sabia" ou "eu não disse?". E mensagens no celular e no orkut. E mesmo assim ainda não fazia muito sentido para ela essas novas informações.

O que ela estava sentindo? Não saberia explicar. Quando você quer muito alguma coisa e, depois de muito trabalho e esforço, consegue, os primeiros minutos são estranhos. Às vezes as primeiras horas. No caso dela, dias. E ela pensava quando é que se daria conta, quando é que comemoraria, quando iria chorar. Porque ela precisava chorar. Disso ela sabia. E queria, de qualquer forma. Ela precisava chorar e muito. E ainda não tinha conseguido.

Estava no meio de uma rua quando soube da notícia. Conteve-se e não chorou. Chegou em casa, atrasada para um compromisso, não chorou. Durante o compromisso então, nem se fala. Novamente em casa, muito cansada, dormiu logo.

E aquela dor e aperto iam aumentando. Ela se conhecia; precisava externar aqueles sentimentos antes que algo pior acontecesse. Ela, apesar de tudo, ainda estava muito frágil. E ao menor deslize, caía. E com isso vinha o medo.

Lembrou-se daquele texto, daquela escritora, como era mesmo o nome? O Búfalo. É, era isso. A moça do texto procurava por ódio e só via amor.

"Mas isso é amor, é amor de novo", revoltou-se a mulher tentando encontrar-se com o próprio ódio mas era primavera e dois leões se tinham amado.

Não era o caso. Ali, agora, não odiava nem queria odiar ninguém. Não procurava o ódio. Procurava as lágrimas que sentia e não vinham. Era doloroso demais toda aquela dor interna, corroendo, queimando, se acumulando, por fim. E nenhuma lágrima em seu rosto.

Os olhos estavam tão concentrados na procura que sua vista às vezes se escurecia num sono, e então ela se refazia como na frescura de uma cova.

Nem quando ele, em uma tentativa de lhe ajudar, perguntou se, agora, depois disso tudo, depois da notícia, ainda conseguiria repetir para ela mesma, se olhar no espelho e repetir, com a certeza que poucos têm, que ela não era capaz. Que todos eram melhores e mereciam mais que ela. Que a garotinha perfeita não existia mais. Que a mulher que se tornara era tudo aquilo que ela vinha repetindo insistentemente há tanto tempo.

Lágrimas encheram os olhos da mulher, lágrimas que não correram, presas dentro da paciência de sua carne herdada.

E foi só isso. Foi o mais perto que ela conseguiu de qualquer coisa parecida com choro. E eram lágrimas de felicidade, de alívio, de paz. Entõ, quando menos esperava, tal e qual sempre acontece em todos os filmes e livros, quando ela menos esperava e menos estava preparada - nem lenços ela tinha, foi tomada por qualquer coisa indefinida; algo doce e suve e um tanto quanto desesperador também. Porque era coisa demais acumulada, sabe? Por tempo demais. E ele sabia.

enjaulada olhou em torno de si, e como não era pessoa em quem prestassem atenção, encolheu-se como uma velha assassina solitária, uma criança passou correndo sem vê-la.

Abriu os olhos devagar. Os olhos vindos de sua própria escuridão nada viram na desmaiada luz da tarde. Ficou respirando. Aos poucos recomeçou a enxergar, aos poucos as formas foram se solidificando, ela cansada, esmagada pela doçura de um cansaço. Sua cabeça ergueu-se em indagação para as árvores de brotos nascendo, os olhos viram as pequenas nuvens brancas. Sem esperança, ouviu a leveza de um riacho. Abaixou de novo a cabeça e ficou olhando o búfalo ao longe. Dentro de um casaco marrom, respirando sem interesse, ninguém interessado nela, ela não interessada em ninguém.

Chorou, enfim. E entendeu tudo.




Trechos extraídos do conto "O Búfalo", de Clarice Lispector.

3 Comments:

  1. Cele said...
    Cifrado de novo! O que foi que tu conseguiu??? Clarice é perfeito demais!
    Camila said...
    Chorar alivia, não é?!
    Quanta realidade neste texto!

    Menina, eu tô atrasada mas quero lhe das parabéns pelo novo lay! Tá lindão, viu?!

    Beijos
    Camila said...
    WEu também não o esqueci! E quase chorei pensando que ele havia me esquecido e esquecido nossa história!
    Mas ele não esqueceu...
    E você até leu o post que ele fez sobre nossa louca história! rsrs
    Mas você está bem?
    Adoro o que você escreve... muito mesmo!
    Beijo

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